quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Poesia reina na terceira noite do festival




Pela primeira vez, o festival promoveu uma aula-espetáculo. A tarefa coube a Elisa Lucinda, atriz, poeta, cantora, escritora, jornalista, professora e compositora capixaba, que veio especialmente a Salvador a convite do CRIA para deleite do público. 
Elisa em aula-show no Sesc Pelourinho 
Isso, na mesma noite em que os jovens e adolescentes do grupo Iyá de Erê subiram ao palco com a montagem “Quem me ensinou a nadar”.

Iyá de Erê em cena com espetáculo Quem me ensinou a nadar
Arany Santana, Coordenadora do CCPI, participa de bate-papo com elenco do Iyá de Erê 
Pesquisadora e historiadora Ana Maria Gonçalves com elenco do Iyá de Erê em bate-papo
Logo depois do bate-papo, que sucedeu a apresentação do espetáculo, os mestres de cerimônia, Fernanda Silva e Evaldo Maurício, arte-educadores do CRIA, declamaram Safena, poema de Elisa, para anunciar o início do tão esperado encontro.

Fernanda Silva e Evaldo Maurício, arte-educadores e mestres de cerimônia 


"Dá licença, dá licença, meu Senhô / Dá licença, dá licença, pra yôyô / Eu sou amante da gostosa Bahia, porém / Pra saber seu segredo / Serei Baiano também”. Foi assim, cantando os versos da canção de João Gilberto que Elisa adentrou o palco do Teatro Sesc Senac Pelourinho.

Elisa Lucinda em aula-show no Sesc Pelourinho 

E entre uma declamação e outra, de poemas autorais e de outros escritores, a aula-show teve seus momentos de ‘prosa’ com o público, com Elisa bem à vontade para declarar seu apreço pelos baianos e também pelo teatro do CRIA, que acabara de conhecer.

“A Bahia é a resistência da cultura brasileira. O trabalho do CRIA é o único trabalho revolucionário do país. Eu não acredito em outra forma de revolucionar o país. Através da arte você pode transformar tudo e o CRIA faz isso”, disse uma Elisa visivelmente surpresa com o que viu.

“Fiquei chocada por tudo, pela qualidade da interpretação, elenco bom, teatro visceral. Todo mundo tem poder, mas quem tem consciência da ancestralidade, tem mais poder. Eu nem falo disso, falo de você ter acesso a sua ancestralidade, compreendendo o lugar de onde você veio e para onde você vai”, completou Elisa.

Iyá de Erê em cena com espetáculo Quem me ensinou a nadar
“Onde tem orfandade, seja do pai ou da mãe, onde não foi dada estrutura para fazer identidade da sua narrativa, a língua mãe faz esse papel.”

“O grande lance da poesia é que ela serve para os outros”, disse Elisa, ao se lembrar de quando a mãe morreu em um acidente de carro. E recitou ‘O breu’, de sua própria autoria. “Esse poema me reconstruiu”.

Para uma plateia diversa, que reuniu artistas, estudantes, professores, enfim, admiradores de vários cantos de Salvador, a artista falou da importância da arte-educação no processo de aprendizado e da importância da elevação da auto-estima para o trabalho do professor nas escolas.

Para ela, falta esse momento na sala de aula, nas escolas particulares, na educação brasileira em geral, e lembrou-se do ataque contra a escola de Realengo, no Rio de Janeiro, quando chamaram vários artistas, inclusive ela, no dia da retomada das atividades após a tragédia. “Os professores são para mim a mola mestra desse país. O professor cuida de todo mundo, mas ninguém cuida do professor”.
Elisa em aula-show no Sesc Pelourinho 

Um dos momentos marcantes foi quando declamou “Uma lembrancinha do tempo”, poema que criou em resposta à pergunta feita repetidas vezes quando, nas entrevistas, lhe pedem para explicar como a poesia surgiu na vida dela. “A poesia formou meu pensamento. Minha mãe me levou aos 11 anos para estudar declamação. A poesia deveria estar na sala de aula, que é interdisciplinar, que pode falar da matemática, da estatística, de tudo. Falava poesia dos outros até os 17. Eu era uma menina que achava que era a menina do poema. Depois, mais tarde, eu percebi que era o pássaro”, e declamou ‘Pássaro Cativo,’ de Olavo Billac.

A mulher, negra, artista, de grandes olhos verdes, voz forte e rouca, admite que o Brasil é um país muito racista e se diz muito preocupada. “Tem gente que chama o cabelo crespo de cabelo ruim. Como isso pode se tornar oficial, o cabelo errado? Parece que essa é a lógica”. E de forma irreverente, começou a tirar objetos de dentro da farta cabeleira ao estilo Black Power: tirou batom, caneta e até uma nota de cinquenta reais de dentro do cabelo!

A aula-espetáculo ultrapassou o palco e um expectador, o agente de saúde Edi Wilson, levantou da plateia e disse um poema sobre cabelo dedicando-o à artista. Apaixonado pela arte, Edi falou da sua admiração pela poeta. “Ela é uma referência para as mulheres negras e a comunidade. É muito gratificante estar aqui hoje”, disse ele. E elogiou o trabalho do CRIA para o desenvolvimento das artes.
Elisa em aula-show no Sesc Pelourinho 
Para a expectadora Gina Carmem Isaías de Souza, a aula foi uma experiência de vida. “Elisa fala coisas tão acertadas e tão pontuais, como o poder da educação e da palavra que transforma e é isso que a gente tem que aprender”, afirmou.

Elisa usou um trecho de mais um de seus poemas para se despedir do público. 

“A vida não tem ensaio, mas tem novas chances. Viva a burilação eterna, a possibilidade”. E encerrou sua participação com a canção ‘Ilê de Luz’, letra de Caetano Veloso composta em homenagem ao bloco afro, Ilê Aiyê.

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